Sesquicentenário de AMADEU DE QUEIROZ






















ACADEMIA PAULISTA DE LETRAS - CADEIRA Nº 5
    Nascido em Pouso Alegre, Amadeu de Queiroz trouxe uma contribuição das gentes e coisas das Minas Gerais para a cidade de São Paulo; e acrescentou a esta cadeira a tradição da literatura regional. Não foi sem propósito que mencionamos sua condição de farmacêutico.
    Vejamos como essa condição se combina com as atividades do escritor, num perfil de Amadeu de Queiroz traçado por Silveira Peixoto em 1942:
    É numa farmácia à esquina do Largo da Sé com a Rua Direita - a tortíssima Rua Direita - mais ou menos ali pelo meio-dia, todos os dias, que se reúne o clã chefiado pelo autor de 'A voz da terra' e de 'Os casos do carimbamba'. Edgar Cavalheiro quase sempre é o primeiro a chegar. Daí a pouco surge Mário Donato. Não demora, Fernando Góes e Mário da Silva Brito aparecem. Vêm depois Antonio Constantino, Leão Machado, Rossine Camargo Guarnieri... Silveira Bueno, de vez em quando, também dá um ar de sua graça... Fala-se do último romance posto nas montras das livrarias. Comenta-se um artigo de crítica literária. Proferem-se anátemas contra os medalhões. E a palestra desenvolve-se, pontilhada de ironias, entremeada de perversidades, animada pelo constante bom humor de Amadeu. Depois, o grupo começa a dispersar-se e há sempre alguém que quer ficar por último, naturalmente com receio da língua dos outros...”
    Essa evocação de uma São Paulo de outros tempos, tempos mais gentis e menos apressados, que traz um certo sabor de nostalgia, fica aqui como uma lembrança deste querido e bem-relacionado antigo ocupante desta cadeira.
*Trecho do discurso de Gabriel Chalita, ao assumir a cadeira nº 5 da APL.


- Amadeu de Queiroz: o romance crítico ao machismo (Paula Ribeiro e Piero Detoni/Outras Palavras)
 
 


Ruth Guimarães

 
PERFIL DE AMADEU DE QUEIROZ
                                                       Luís Guiherme Etienne Arreguy

Gosto de ser agradável a mim mesmo, praticando o bem sempre que posso, sem esperar a recompensa. Não peço favores em troca de virtudes. Sempre trabalhei, honestamente, simplesmente, necessariamente, como as águas correm, como chove, amanhece, faz calor ou frio.

Quem se interessar por conhecer a história de Pouso Alegre e da região sul de Minas Gerais certamente terá que recorrer à obra do pouso-alegrense Amadeu de Queiroz. Nascido em 25 de março de 1873, Amadeu publicou vários livros, entre contos e romances de cunho regional, incluindo trabalhos historiográficos, o que lhe rendeu uma cadeira na Academia Paulista de Letras.
Durante a juventude em Pouso Alegre, exerceu diversas atividade como farmacêutico, político, jornalista e escritor, mas seus trabalhos de literatura somente vieram à tona depois que ele mudou para São Paulo, onde se estabeleceu como diretor da farmácia da Casa Baruel, na região central da cidade.
Nunca frequentou oficialmente uma escola, tendo sido instruído em família, especialmente pelo seu avô Policarpo Queiroz. Cresceu ajudando na farmácia do pai, Joaquim Queiroz, onde aprendeu o ofício. Desde menino demonstrava um temperamento irrequieto e perquiridor, desenvolvendo aptidões para a arte de curar, segundo os princípios éticos do humanismo.
Naquele tempo eram raros os médicos no interior do país e o trabalho desses curadores - ou carimbambas, como Amadeu se autointitulava - era decisivo para manter a saúde da população, principalmente dos mais pobres. As farmácias do interior também eram uma espécie de ponto de encontro na cidade, onde se discutia as notícias e se travava o debate político local e nacional.
Ao herdar a farmácia de seu pai, um militante da causa abolicionista, Amadeu exerceu uma atividade política e jornalística destacada em Pouso Alegre, mantendo uma intensa correspondência com figuras proeminentes do país, como Rui Barbosa e Júlio de Castilhos. Este importante material epistolar se encontra guardado nos arquivos da Academia Paulista de Letras.
Foi vereador e juiz de paz no início do século XX, mas o apoio público a Rui Barbosa nas eleições de 1912 rendeu-lhe o desafeto e a inimizade da elite coronelista local, em particular a família de sua esposa Vicentina Meyer. O atraso interiorano e as terríveis condições da política no tempo da República Velha deixaram Amadeu deslocado na cidade.
Adversário das lideranças conservadoras locais e partidário dos ideais civilistas do grande Rui, Amadeu sentiu-se isolado na terra que tanto amava. Em 1916, ele preferiu vender sua farmácia e se transferir com a família para São Paulo, a fim de começar uma nova história.  
O impulso de ganhar a vida na promissora praça de São Paulo e a preocupação com a educação dos filhos o fizeram decidir a deixar sua querida Pouso Alegre  ou Pousoalegre, como ele grafa nas suas memórias. E foi justamente esta mudança que lhe despertou a necessidade de retratar, através da literatura, a vida, a história e a geografia da sua cidade natal.

Aqui chegamos um dia. O trem parou na Luz e aglomerou-se uma onda de povo, atropelando o nosso desembarque. Agarrou-se a mim a minha gente amedrontada e, assim, agarrados, demos o primeiro passo na vida da cidade grande. Não foi esta a única ou a última vez que o instinto de defesa, apavorado, procurou a minha proteção e, dessa, como de outras vezes, eu o acolhi bravamente, dizendo cá comigo: que será de nós

Segundo Newton Meyer, historiador de Pouso Alegre, “foi naquela buliçosa pauliceia que lhe eclodiu o gênio literário. Latente e até reprimido, o lençol ígneo da cultura, da experiência e da criatividade jorrou da cratera de seus livros, em um rio de originalidade e graça, temperado aqui e ali pelos fumos da ironia fina, só permitida  como virtude  aos gênios” (Quase Prefácio, da reedição do livro "A história de Pouso Alegre e sua imprensa", em 1998).
Logo de início Amadeu vivenciou grandes dificuldades em São Paulo, assistindo como médico prático a população atingida pela tragédia da gripe espanhola em 1918. Depois foi testemunha de outros momentos históricos bastante drásticos, como as revoltas de 1924 e 1932. Estas experiências dolorosas marcaram sua inserção na sociedade paulistana ao longo dos anos.
Em 1924 venceu o Concurso Anual da Academia Brasileira de Letras, com o romance “Uma novela da vida"  que seria publicado em 1927, com o título "Praga do Amor”, sua estreia no mundo editorial. Este prêmio foi questionado por conta de questões formais, o que provocou uma grande polêmica na época.
Romancista vigoroso e contista dos mais admiráveis, Amadeu de Queiroz tornou-se o “pajé” de uma tribo de literatos, intelectuais e artistas que frequentavam a sua farmácia, dando origem à lendária Roda da Baruel, na esquina da rua Direita com a praça da Sé, o coração da cidade. 
Considerado discreto, mas de inteligência notável e espírito vivaz, era reverenciado por personalidades como Mário de Andrade e Nelson Werneck Sodré, mas, como todo bom mineiro, possuía um feitio excessivamente modesto e, segundo ele próprio, era avesso a cabotinismos.
Faleceu em 28 de outubro de 1955, deixando um importante legado literário em diversas obras publicadas, em variados estilos, como “Catas”, “Memórias - Dos 7 aos 77”, “Os Casos do Carimbamba”, "O senador José Bento", “A Voz da Terra”, "O quarteirão do meio", "João", entre outros.

De mim ficou uma lição de trabalho e um exemplo de perseverança. Vivo, fui modelo para os jovens. Agora sou um mandamento. Nada mais obstará que minha voz continue como a voz do vento e dos mares. Sou livre, sou infatigável, sou eterno. Estou mais vivo afinal. E não tive a pretensão de ser imortal, porque acho esta vida mais que bastante.